Criando Geografia

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quinta-feira, 16 de julho de 2015

Racismo “à brasileira”

Racismo “à brasileira”[1]

ADRIANA ORSA
ANDRÉA ARAUJO GOMES BRASIL
JÉSSICA DE ASSUNÇÃO
NILTON SACRAMENTO
NOEMI SILVA PACHU GOMES
ODILÉA CORRÊA DA SILVA


1.  INTRODUÇÃO: UMA SOCIEDADE AMBIVALENTE

Em toda a história da humanidade as sociedades sempre demonstraram algum tipo de reação com o diferente, sendo assim entendemos o quanto o racismo é antigo.  Porém, no Brasil há uma forma peculiar de racismo, até mesmo pela história dos negros em território brasileiro. 
Não possuímos leis que tornem oficial a segregação racial, porém ela ocorre de forma dissimulada e pode-se dizer que até cordial.
Vemos o racismo fortemente presente ao observarmos quem ocupa os melhores cargos nas empresas, índices de nascimento e morte e até mesmo na divisão geográfica. Apesar de vivermos numa sociedade que exalta uma sociabilidade racial ímpar, o que  acontece é exatamente o contrário.


1.1. LINGUAGEM E SILENCIAMENTO: UM PRECONCEITO RETROATIVO

“Você tem preconceito de cor? Conhece alguém que tenha preconceito de cor? Se sua resposta for sim, descreva seu grau de relacionamento com esta pessoa”.
As perguntas acima utilizadas em uma pesquisa revelaram como as pessoas lidam com a questão racial. Na primeira pergunta a maioria respondeu que não, porém na segunda 99% dos pesquisados disseram conhecer e também informaram que os preconceituosos são pessoas próximas. 
Apesar de alguns verem as pesquisas como uma atitude racista, elas revelam a realidade que por muitas vezes é ocultada.  Vemos que a cada dia no Brasil afirma-se um racismo dissimulado e sempre atribuído ao outro, afastado da esfera pessoal. Ainda que não oficial, o racismo é fortemente presente em nossa sociedade.
Segundo o professor Nogueira (1979, p. 79), considera-se como preconceito racial “uma disposição (ou atitude) desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, aos quais se têm como estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da ascendência étnica que se lhes atribui ou reconhece”.
Nogueira (1979) esclarece que as formas de manifestação de preconceito e de discriminação existentes no Brasil e nos Estados Unidos, em relação aos indivíduos considerados negros são modalidades diferenciadas. São elas: (a) o preconceito de marca (Brasil) é quando o preconceito racial se exerce em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto para as suas manifestações, os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os gestos e os sotaques; e (b) o preconceito de origem (EUA) é de caráter biológico, basta uma gota de sangue para definir sua condição racial.


2.  PELA HISTÓRIA

A história transmite o temor e a estranheza com que eram vistos os povos aqui residentes. Mas, alguns observadores franceses, perceberam que existiam regras entre os índios brasileiros.  Viajantes, aventureiros e outros que nunca pisaram em nosso solo, narravam ou “adivinhavam” nosso território e peculiaridades, dando um tom  fantasioso, algumas vezes monstruoso sobre as jovens terras distantes.
 Com a chegada da Corte ao Brasil abriram-se os portos às “nações amigas”, mas a França ficou de fora, então os geógrafos franceses esperaram até 1815 para conhecer e observar, descrevendo suas viagens e experiências pessoais, como fizeram os primeiros exploradores em cartas à Coroa. Mas, nem tudo é maravilhoso, existia ambivalência, de um lado a exuberante natureza, do outro a atrocidade da escravidão.
Durante o século XIX no Brasil foi criado um projeto cultural que tinha por objetivo a divulgação da produção literária nacional, com a abordagem de aspectos que envolviam a nacionalidade e a identidade local. 
Nesse período foram fundadas o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e a Academia Imperial de Belas Artes, que contavam com o apoio da monarquia. 
A preocupação dos escritores integrantes da IHGB era apresentar nas publicações uma identidade brasileira, dando importância à produção de uma cultura genuinamente nacional, além de procurar se afastar da imagem deixada pelo período da escravidão. As publicações enfatizavam a descrição da natureza, os costumes e os habitantes do país, com destaque para o índio.
Participavam do IHGB a elite carioca literária e escritores como Gonçalves de Magalhães, Manuel de Araújo Porto-Alegre, Joaquim Manuel de Macedo, Gonçalves Dias e Francisco Adolfo de Varnhagen.  As ideias desses escritores eram divulgadas  na  revista do Instituto.
Em 1857, Gonçalves de Magalhães publica “A confederação dos Tamoios” que trata especificamente do tema indígena e apresentava os heróis indígenas, além de retornar  ao período da colonização. Gonçalves Dias, considerado um grande escritor romântico brasileiro, também utilizou na poesia o indianismo, apresentando o índio como exemplo de pureza e modelo.  
José de Alencar publica em 1865 a obra literária “Iracema”, que apresenta os brancos e os indígenas convivendo em um ambiente idealizado, aborda a mestiçagem e o surgimento de uma nova raça.
O romantismo foi um movimento ligado ao nacionalismo. Os indigenistas se tornaram populares ao apresentar o índio como símbolo nacional, ocultando assim a existência dos negros e da escravidão. 
Os quadros apresentavam figuras que retratavam os cenários e destacava a virtude moral dos heróis. Nas telas de Pedro Américo, Meirelles e Amoedo, a paisagem se destacava e os selvagens eram apresentados como vítimas da nacionalidade. 
Nesse período passou-se a dar importância aos relatos dos viajantes e apagar da memória a existência da população negra.


2.1. O SÉCULO XIX E A DETRATAÇÃO: DARWINISMO SOCIAL E A CONDENAÇÃO DA MESTIÇAGEM
  
O positivismo, o evolucionismo e outras teorias chegaram ao Brasil aproximadamente no fim do século XIX, em meio às críticas a monarquia e um cenário de fortalecimento abolicionista. Nesse momento formava-se uma “santa trilogia”: o progresso, a civilização e a evolução, que sobressaíram principalmente na Corte, em São Paulo e em Recife. Com os grandes nomes como Comte, Darwin e Spencer. 
O momento expressava indício de “degeneração” promovida pela mestiçagem muito ocorrente na população. Imperava a teoria de “darwinismo racial”, que condenava a mistura de diferentes grupos e de diferentes etnias, onde se considerava que cada raça  possuía capacidades e comportamentos “únicos”. 
Louis Agassiz via a mestiçagem no Brasil como deterioração.  Já Arthur de Gobineau que parecia não gostar do Brasil, no tempo em que permaneceu aqui por uma missão oficial, alegou ser uma população mulata, viciada em sangue e feia a ponto de assustar. Juntamente com esse olhar, o Brasil era visto também internamente como um país “sujo”, onde só haveria saída e solução se houvesse o branqueamento de sua raça, assim na “mistura” de uma pessoa branca com uma pessoa negra nasceria um filho branco e salvaria a família, como se fosse um milagre.
O país passou a ser visto como exemplo de degeneração tanto dentro como fora de seu território a partir da visão darwinista. 
A miscigenação transformou-se em polêmica, o “problema racial”.  A elite local e branca acreditava ser o negro limitado em intelecto. Por isso, se submetia à desigualdade e a escravidão. Justificando e naturalizando as diferenças sociais. Mas, isso inferiorizava toda a população, a miscigenação já era grande e se fosse mantida essa teoria o país não teria futuro, pois seríamos degenerados por tantas misturas. 
Os cientistas não podiam mais utilizar só o determinismo como modelo, era preciso criar outras formas de estudar o caso ímpar na história do mundo.
No início do século XIX, houve um desânimo no Brasil. Os biólogos não acreditavam mais na igualdade prometida pela política e buscavam uma explicação para as diferenças entre os homens. Apoiados em Darwin, afirmaram que essa mistura salvaria a nação.
De Recife e São Paulo estavam vinculadas a elaborar com equidade um código para unificar a nação. As teorias das duas divergiam, em Recife o determinismo racial alemão, já em São Paulo, liberal, trabalhando com cautela os estudos do darwinismo social. Pensavam igualmente a prática do Direito com hegemonia, sem hierarquia. Para eles, democracia não significava cidadania e igualdade, pois raças diferentes pressupunham capacidades e atributos morais diversos.
Nas faculdades de Medicina confundiam-se os papéis de médico e cientista social, que deram lugar ao higienista e ao perito criminal, com intervenções na política e no social. Na Escola de Medicina Tropical Baiana, o darwinismo social é adotado de forma radical com sua condenação ao cruzamento, condicionando política e medicina, dando ênfase a  medicina criminal, onde a miscigenação era o tema, nosso maior mal e suprema diferença. 
Nesta escola o doente era a questão. Nina Rodrigues, o líder deste grupo, defendia a existência de dois códigos penais, cada um adaptado ao "grau de civilização" do grupo que representava, o crime seria "relativo" e endêmico.
Na faculdade do Rio de Janeiro, as pesquisas preocupavam-se com a higiene pública, descobriram doenças tropicais, que deveriam ser imediatamente sanadas. Partiram para uma ampla política de intervenção pública e abrangente. A saúde da coletividade era prioridade. Esses médicos combinavam higiene e darwinismo social. Enfrentaram problemas como a "Revolta da Vacina", mas o importante para eles era combater as doenças tropicais, salvando igualmente a todos, independente da etnia.
Os modelos das teorias presentes no Brasil nessa época eram copiados, traduzidos e selecionados para novas  aplicações onde se transformava diferença social em barreiras biológicas. Porém, essa visão determinista levava a um debate incipiente sobre a cidadania. Com isso, o princípio universal de igualdade e o humanismo foram excluídos, reforçou-se então o racismo e o liberalismo, onde se formava a nacionalidade sobre uma questão de natureza. Assim, fortaleceu-se a desigualdade e esqueceu-se ou não se fez saber o que vinha a ser cidadania. 


2.2. ANOS 1930. DO VÍCIO AO ANTÍDOTO: CULTURALISMO NO BRASIL

Nos anos 1930, a cultura mestiça desponta como representação oficial da nação e o negro passa a ter presença  na literatura brasileira como na obra  “Macunaíma” de Mário de Andrade. No decorrer do livro, o escritor apresenta as três raças formadoras da nação: índio, negro e branco. O escritor defende os elementos de uma cultura nacional e os personagens do livro são constituídos de indígenas, caipiras, negros, mulatos e brancos.
Com a publicação da obra “Casa-grande & senzala”, Gilberto Freyre introduz os estudos culturalistas como modelo de análise. Ele mostra uma visão otimista da mestiçagem, dizendo que todo brasileiro possui, ainda que não exteriormente, um pouco do indígena e/ou do negro. 
Outros autores se destacam nessa época afirmando um Brasil com uma identidade própria, um Brasil mestiço. Alguns elementos culturais originalmente africanos tornam-se nacionais, representando simbolicamente a mestiçagem. Criam-se também, datas cívicas como o dia da Raça, afim de, exaltar a tolerância de nossa  sociedade. Nesse movimento, buscava-se encorajar uma convivência cultural miscigenada. Porém, essa visão ocultava a real desigualdade e a violência existente no dia a dia dos brasileiros.


3.  O COTIDIANO DA DISCRIMINAÇÃO

A desigualdade na distribuição geográfica representa uma das grandes características na análise da conformação brasileira. Praticamente metade da produção classificada como parda se encontra na região Nordeste, onde há maior concentração de pobreza. Ao contrário, as áreas do Sudeste (Rio de Janeiro e São Paulo) e do Sul têm a maioria da população branca. Essa divisão desigual é por sua vez um dos fatores que explica a dificuldade de crescimento econômico e social dos não brancos, barrada pela concentração dessa população nos locais geográficos menos dinâmicos. Dados sobre o mercado de trabalho demonstram grandes evidências de desigualdade social.
Com relação à questão cor, com exceção do setor agrícola, destaca-se o predomínio branco e às vezes amarelo na distribuição da população no interior das atividades. As populações preta e parda aparecem de forma desigual na distribuição de empregos. Tal situação reflete-se diretamente no perfil e na renda dos grupos. 
Com relação ao acesso à educação também podemos perceber a desigualdade no Brasil. Atestou-se que a maior parte dos estudantes das instituições públicas é formada por negros.  Quanto à taxa de alfabetização, podemos perceber grandes  diferenças: no grupo definido como pretos, o analfabetismo chega a 30% e o grupo dos  pardos 29%, entre os brancos 12% e 8% entre os amarelos. 
  Quando a pesquisa fala em anos de estudo, a média dos brancos é de 6,6  anos, enquanto pretos e pardos estudam em média 4,6 anos. 
Quanto à expectativa de vida, observamos novamente uma enorme desigualdade: pretos e pardos apresentam níveis muito maiores que brancos.
Em termos de mortalidade infantil, que é um dado muito expressivo das condições de vida e a falta de saneamento básico, a população branca tem uma taxa de 37,3 mortes por mil nascidos vivos, enquanto entre pretos e pardos essa taxa é quase o dobro, 62,3 mortes por mil nascidos vivos. 
Com relação aos matrimônios – incluindo não só as uniões formais, como também as informais – aparecem variações importantes.  Novos números indicam como o matrimônio civil – uma das grandes inovações da República – um privilégio dos brancos. Por fim, apesar de apresentar um nível inferior ao observar outras misturas de povos, a maior parte dos casamentos no Brasil é pertencente a um mesmo grupo de cor. No país da mistura racial, o nível chega a 79%, mas a proporção varia muito de grupo para grupo.
Quanto aos salários e aos rendimentos, o salário hora médio dos brancos e amarelos é quase o dobro dos pretos e pardos.
Dessa forma, apesar de bem intencionada, a lei não dá conta do lado dissimulado da discriminação brasileira.  Destacando a mestiçagem, diminuiu a desigualdade no dia a dia, porém o problema é que o tema da raça carrega aqui outras questões. Como distinguir quem é negro e quem é branco no Brasil?


4.  RACISMO À BRASILEIRA?

Definir a cor da pele em um país com tantas misturas como o Brasil, não é tarefa fácil e isso se evidenciou numa pesquisa realizada pelo IBGE, onde os brasileiros atribuíram a si próprios mais de 130 cores, revelando que a opção parda oferecida pelo Censo não dá conta da complexidade de se identificar pela cor.
Quando um indivíduo de pele escura se declara branco ou queimado, vemos a dificuldade em se declarar negro, em assumir origens, ser branco se tornou uma aspiração social. E isso se dá pelo fato de vivermos numa sociedade onde ser branco significa ter mais oportunidades de ascensão social, numa sociedade injusta e que reforça o domínio de uns sobre outros.
Atualmente multiplicam-se a criação de órgãos que buscam promover a igualdade racial, com iniciativas como cotas para negros e pardos em instituições de ensino, visando fortalecer a ação afirmativa. No entanto, apresenta-se o fortalecimento das diferenças das “raças”, conceito desacreditado pela biologia, mas que ainda se faz presente em atitudes como fotografar vestibulandos negros, como forma de garantir a comprovação da “veracidade da cor”, fato ocorrido na Universidade de Brasília. Isso revela-nos a necessidade de refletir sobre conceitos construídos, que trazem efeitos desiguais de hierarquização e de mobilidade social.
As questões raciais no Brasil precisam ser discutidas, resolvê-las vai além de políticas públicas como cotas. Precisamos sair do “a favor ou contra” e avançar para reflexões mais amplas. O racismo no Brasil não é coisa do passado, ele ainda marca presença no cotidiano dos brasileiros.  Muitas vezes não nos damos conta de que o racismo está presente em maneiras de falar, como por exemplo, ao dizer que alguém casou bem, por ter se casado com alguém de pele branca. 
A “raça” expressa desigualdade, injustiça; faz com que o caráter do individuo  seja medido por suas características físicas e o que vemos são estratégias políticas que buscam amenizar situações, porém não as resolvem. 
Precisamos sair do estado de conformação e partir para um bom diálogo.

  
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observamos ao longo destas leituras e debates o quão arraigado é o racismo na vida das pessoas. Todos nós temos uma história para contar. Um pequeno detalhe ou um comentário basta, para percebermos o preconceito, não só sobre a cor - que é o nosso foco neste momento – mas também contra os obesos, os gays e as religiões. Por que tanto preconceito? Por que não podemos primeiro conhecer o outro, o diverso de nós, para depois sim, formar uma opinião? Permitir-se ao diferente, aceitar as diferenças.  Aceitar o outro independente da cor, credo, identidade de gênero é fundamental para a melhor convivência.
Somos todos iguais, apesar de muitos esforços terem sido feitos, e ainda o são, para justificar e naturalizar esse movimento camuflado do racismo e diferenças sociais gritantes. Cabe a nós começarmos a romper com esse discurso demagogo e partirmos para a prática, não podemos mais dividir as pessoas e medi-las por sua cor de pele.
Oportunidades iguais e se for preciso sim, adota-se as cotas, é justo, é pouco e ainda assim parece uma esmola. Chega de hipocrisia, assumir a verdade e começar a mudar essa opressão disfarçada, esta falsa relação amigável-necessária. Podemos todos ser amigos sim, nos relacionar sim,  aí  está  a beleza do povo brasileiro, então, vamos prestigiar  e enaltecer nossas diferenças, dentro da igualdade social.


REFERÊNCIAS

NOGUEIRA, Oracy. Tanto preto quanto branco: estudos de relações raciais. São Paulo: T. A. Queiroz, 1979.


SCHWARCZ, Lilia Moritz.  Racismo “à brasileira”.  In: ALMEIDA, Heloisa Buarque de; SZWAKO, José (Org.).  Diferenças, igualdade.  Coleção Sociedade em foco.  São Paulo: Berlendis e Vertecchia Editores, p. 70-115, 2009.




Publicado em:

São Paulo, 16 de julho de 2015.



[1] Trabalho apresentado à Disciplina Sociologia e Educação I do Departamento de Educação e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro / Instituto Multidisciplinar, como exigência para a aprovação na mesma. Professora: Drª. Rosana Monteiro. Nova Iguaçu/RJ – 2011.

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